Defensores públicos questionam lei sobre combate a doenças transmitidas pelo Aedes aegypti

A Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) protocolou no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5581), juntamente com arguição de descumprimento de preceito fundamental, questionando dispositivos da Lei 13.301/2016, que trata da adoção de medidas de vigilância em saúde relativas aos vírus da dengue, chikungunya e zika. O principal ponto questionado é o artigo 18, que trata dos benefícios assistenciais e previdenciários para as crianças e mães vítimas de sequelas neurológicas. A associação pede ainda que se dê interpretação conforme a Constituição da República aos artigos do Código Penal que tratam das hipóteses de interrupção da gravidez.

O artigo 18 da Lei 13.301/2016 estabelece o prazo máximo de três anos para a concessão do benefício da prestação continuada às crianças vítimas de microcefalia em decorrência de sequelas neurológicas de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti. O parágrafo 2º do artigo prevê a concessão do benefício após a cessação da licença-maternidade, ampliada para 180 dias para as mães de crianças nessa condição.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993), garante um salário mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso que não tenham meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela família. Segundo os procuradores, na forma em que foi redigido, o caput do artigo 18 da Lei 13.301/2016 restringe inconstitucionalmente o seu recebimento para apenas três anos, beneficia somente crianças com microcefalia, e não com outras desordens identificadas como sinais da síndrome congênita do zika, e impede o recebimento do benefício de forma concomitante com o salário-maternidade.

A Anadep destaca que a população sob maior risco de epidemia é de mulheres pobres e nordestinas, tendo em vista que, entre os recém-nascidos com sinais indicativos da síndrome congênita do zika, mais de 60% são filhos de mulheres de Pernambuco, da Bahia, da Paraíba, do Maranhão e do Ceará. “Não é possível restringir a concessão do benefício pelo prazo máximo de três anos, pois as crianças afetadas pela síndrome sofrerão impactos e consequências por toda a vida”, afirmam.

Os defensores pedem ainda que o STF reconheça que a concessão do benefício é devida não apenas para “criança vítima de microcefalia em decorrência de sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti”, mas também àquelas que sofrem de outras desordens neurológicas causadas pela síndrome congênita do vírus zika, que venham ainda a serem comprovadas cientificamente. Eles sustentam que, segundo pareceres técnicos, é esperado que crianças aparentemente sem alterações ao nascimento desenvolvam sintomas no decorrer da infância, e que a transmissão do vírus não se dá apenas pelo mosquito vetor.

A interpretação conforme proposta pela Anadep prevê a concessão do BPC a “crianças e adolescentes vítimas de microcefalia ou de outras sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti ou causadas pela síndrome congênita do zika”, afastando o prazo máximo de gozo, a necessidade de comprovar a situação de vulnerabilidade ou de necessidade, e a realização de perícia pelo INSS, bastando declaração ou atestado médico.

Pede-se, ainda, a declaração de nulidade do parágrafo 2º do artigo 18, que condiciona a concessão do BPC ao término da licença-maternidade. “É inadequado confundir o direito ao salário-maternidade com o Benefício de Prestação Continuada”, afirma a associação, lembrando que os dois estão previstos em dispositivos constitucionais completamente diversos. Segundo a Anadep, a impossibilidade de cumulação viola determinações constitucionais de proteção à família e à criança (artigo 203, inciso I), de amparo às crianças (artigo 203, inciso II), de habilitação de pessoa com deficiência e de promoção de sua integração à vida comunitária (artigo 203, inciso IV) e da garantia de um salário mínimo para pessoa com deficiência que necessitar (artigo 203, inciso V) e ofende, ainda, os deveres de proteção do direito à vida, à dignidade e à saúde (artigos 6º e 227, caput).

Omissão

Na arguição de descumprimento de preceito fundamental, a Anadep aponta diversas omissões do Poder Público no acesso à informação, a cuidados de planejamento familiar e aos serviços de saúde, além de omissão sobre a possibilidade de interrupção da gravidez nas políticas de saúde estatais para mulheres grávidas infectadas pelo vírus zika. Nesse sentido, o pedido é de que se determine ao Poder Público a adoção de diversas políticas públicas visando sanar tais omissões, entre elas a garantia de tratamentos a crianças com microcefalia em centros especializados em reabilitação distantes no máximo 50km de suas residências, a entrega de material informativo e a distribuição de contraceptivos de longa duração às mulheres em situação vulnerável.

A Anadep pede ainda que se declare a inconstitucionalidade do enquadramento da interrupção da gestação em relação à mulher que tiver sido infectada pelo vírus zika no artigo 124 do Código Penal. Alternativamente, o pedido é de que se julgue constitucional a interrupção nesses casos, “em função do estado de necessidade com perigo atual de dano à saúde provocado pela epidemia de zika e agravada pela negligência do Estado brasileiro na eliminação do vetor”, com a sustação dos inquéritos policiais, prisões em flagrante e processos em andamento que envolvam a interrupção da gravidez quando houver comprovação da infecção da gestante.

A relatora da ADI 5581 é a ministra Cármen Lúcia.

CF/EH

Postado originalmente no portal do Supremo Tribunal Federal

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